TERROR NA FLORESTA
Aruana, Ubiratã e Moacir corriam pela densa floresta. Os três curumins fugiam desesperadamente. As pernas cansadas e pesadas, os músculos queimavam como brasas. A noite estava clara e quente como sempre. A lua cheia reinava no céu e seu brilho prateado se espalhava pelas copas das árvores. A aparente tranquilidade era tomada por uma maldade insone. O som da floresta amazônica parecia mais pesado do que o costume. De repente eles ouviram um assobio entre as árvores. De pronto, um arrepio subiu pelas costas e o sangue de Aruana gelou. Ela havia roubado o fumo de Matinta Pereira e, sua brincadeira trouxe graves consequências não somente para ela e seus irmãos, mas para toda a aldeia.
Na noite anterior, a bruxa assombrava uma das ocas da aldeia de Aruana. Matinta fazia isso desde a primeira tribo se estabelecer na floresta amazônica e todos conheciam a crueldade dela. Onde houvesse maldade a bruxa cobraria seu tributo. Isso era magia antiga e toda a floresta vivia sob esta regra.
A bruxa voava sobre a oca e soltava um assobio estridente e aterrorizante. O homem da família logo gritou: Pode passar amanhã para pegar seu fumo, Matinta! Ela se foi deixando em paz os moradores. Na manhã seguinte o rolo de fumo estava pendurado do lado de fora da oca. Passando bem cedo, antes de todos acordarem, Aruana, inconsequente, pensou em pregar uma peça na velha bruxa e roubou o fumo. Os moradores acordaram na sequência. Percebendo que o fumo desaparecera, ficaram tranquilos achando que Matinta já tinha coletado a oferta. De repente uma velha saiu do meio da floresta e todos se assustaram. Sabiam que era Matinta. A velha se aproximou e perguntou:
- Cadê o meu fumo?
- Já pagamos o que te prometemos. Vai-te daqui velha! – Disse o homem, segurando um amuleto de sapo entalhado numa pedra verde.
O rosto da velha se transformou. A face de uma bondosa senhorinha desapareceu dando lugar a um rosto desfigurado. Dos olhos profundos e negros, que tornavam a bruxa mais assustadora, corriam lágrimas de sangue. O homem paralisou de medo. Matinta se aproximou lentamente.
- Cadê o meu fumo? – Esbravejou, sacudindo o homem pelos ombros.
- Te juro velha, deixamos o fumo para você. – Disse o homem, enquanto se formava uma poça de urina perto de suas pernas.
Matinta o encarou por alguns segundos. Percebeu que, além de pavor, havia honestidade em seus olhos. Pensou poucos instantes e concluiu que tinha sido roubada. Ela abandonou o homem sem dignidade no chão e se foi cheia de ódio pelo mesmo lugar que havia saído da floresta resmungando: - É direito meu! Está escrito! É direito meu!
Aruana assistia a cena preocupada, mas quando viu a velha indo embora e o homem a salvo, soltou uma gargalhada. Ela havia enganado a Matinta Pereira! Ela roubou a velha bruxa.
Logo que encontrou os amigos, Aruana contou com orgulho o que havia feito.
- Você é maluca, Aruana? Este tipo de coisa não se faz! Não se pode mexer com isso! É magia antiga. – Replicou Cauã.
- Enganei a bruxa. Essa história de magia antiga é bobagem. – Respondeu a jovem, desdenhando de todos os amigos que não aprovaram sua atitude.
O grupo de adolescentes ficou assustado com a história. Sabiam que aquilo poderia trazer problemas para Aruana, embora ela não ligasse muito. Sem se importar, ela colocou o rolo de fumo da bruxa no cinto como um troféu e saiu para fazer suas tarefas. Aruana era uma jovem muito conhecida na tribo. Apesar da pouca idade, cuidava sozinha dos irmãos mais novos, desde a morte dos pais num acidente na cachoeira.
Pouco tempo depois de ter deixado o grupo, os irmãos da curumim procuravam por ela. Os amigos indicaram a trilha que ela havia pegado e depois viram Moacir e Ubiratã sumir no meio da floresta.
Ao encontrarem Aruana, os irmãos a lembraram de que ela prometera que aquela noite seria a caçada. Eles estavam ansiosos em aprender o ofício para se tornarem homens adultos. A jovem resistiu um pouco, mas logo já chantageava Ubiratã e Moacir a fazerem as tarefas dela ao longo do dia em troca da aventura noturna.
Enquanto vigiava os irmãos trabalhando, Aruana começou a refletir sobre a peça que pregara na bruxa. Os pensamentos não duraram muito. Moacir já reclamava da fome. O sol estava alto no céu. Dentro de pouco tempo a tradicional chuva do fim da manhã cairia na úmida floresta.
Os três voltaram para a oca e almoçaram. Por ordem da irmã, eles não trabalhariam a tarde e descansariam, pois, a noite seria longa.
Antes mesmo do sol se pôr, as sombras já dominavam a floresta. Aruana chamou os irmãos.
– Pegaram tudo o que eu falei? – Perguntou. Os dois aprendizes balançaram a cabeça respondendo positivamente.
- Vamos!
Logo, os três caminhavam para dentro da floresta. A irmã ia à frente, liderando o grupo. Quando já estavam um tanto afastados do povoado, os três se depararam com o Pajé.
- Voltem para a aldeia. Hoje à noite ninguém deve ficar fora de casa – disse o Pajé.
- Vou ensinar meus irmãos caçar! – Replicou a jovem.
- Voltem. É uma ordem!
- Mas Pajé, nós precisamos treinar! – Disseram os irmãos.
- Há uma maldade antiga solta na floresta hoje! Não é seguro. – Finalizou o Pajé, tomando a trilha que voltava para a aldeia e olhando por cima dos ombros, aguardando a movimentação dos três.
- Não tenho medo, mas se não há o que fazer, vamos embora. – Disse a jovem, indo em direção ao Pajé, deixando claro pela cara emburrada que estava contrariada. Todos seguiram rumo a aldeia.
A noite foi tranquila e amanheceu como um dia qualquer. Aruana acordou cedo e batendo na cabeça dos irmãos com uma cabaça, os acordou. – Levantem! Temos de buscar água no rio. - Ainda sonolentos, os irmãos pegaram alguns potes e a seguiram. A aldeia estava silenciosa, ninguém havia levantado. Pegaram a trilha e foram em direção ao rio. Os irmãos aproveitaram para fazer uma bagunça na água e, depois, tomaram banho. Enquanto os três riam e se recompunham, Moacir, o mais novo, ficou sério. Ele olhava fixamente para um canto do rio. Aruana percebeu a mudança de humor do irmão e buscou a mesma direção em que os olhos do caçula estavam fixados. Pouco mais de vinte metros deles estava um ser intimidador. Os dois olhos verdes se destacavam na grande cabeça. Assustadoramente linda, uma onça-preta encarava o trio.
Aruana, bravamente, se pôs à frente dos irmãos. Ela buscou na cintura uma lâmina que sempre carregava. Ela indicou com gestos para saírem lentamente do rio. O trio se movimentou. Aruana olhava para o animal, que parecia imóvel. Após se afastarem uns dez metros da margem, a jovem percebeu que a onça-preta não estava olhando para eles, mas continuava encarando alguma outra coisa. Em seguida, Ubiratã gritou de pavor! Aruana desviou o olhar do animal e tentava entender o que havia assustado o irmão. O menino berrava e apontava em direção a margem do rio. Aruana olhou e só então percebeu que alguns metros para cima do local de onde estavam na água, havia um corpo pendurado numa árvore. Sua pele tinha sido completamente removida, exceto pela cabeça. O rosto do Pajé trazia uma face de terror.
O instinto protetor fez a jovem cobrir os olhos do mais novo antes que ele visse aquela cena terrível. Ela abraçou Ubiratã também. Apenas quando os gritos do pequeno curumim cessaram é que Aruana se lembrou do felino. Ela correu os olhos na direção do rio e não o encontrou.
Durante o percurso de volta para a aldeia, Aruana consolava os irmãos, mas sempre buscando no meio da mata qualquer sinal de que a onça-preta estivesse por perto.
Quando chegaram na aldeia perceberam que havia algo errado, as pessoas estavam em polvorosa.
- Onde vocês estavam? – Perguntou Cauã.
- Fomos no rio buscar água. O que está acontecendo? – Replicou Aruana.
- Foi a Matinta! Tenho certeza que foi ela. – Divagava Cauã.
- O que aconteceu, menino? Me fala!
- Três pessoas estão mortas e ninguém acha o Pajé.
Enquanto ainda processava toda a informação, Aruana ouviu o grito do Cacique, convocando todos para o centro da aldeia.
- Ouçam! Quero que encontrem todos os moradores. Preciso saber se há mais desaparecidos além do Pajé. Em meia hora nos reuniremos novamente.
Aruana pensou em falar com o Cacique. Chegando perto da oca, ela ouviu a conversa do chefe com dois anciãos da tribo.
- O Pajé me alertou ontem. Disse que ficaria de sentinela a noite inteira, pois, um mal antigo andava pela floresta. – Disse o chefe.
- Ouvi a conversa de uns curumins ontem de que alguém roubou a Matinta. Só pode ter sido a bruxa quem fez isso. Somente ela poderia fazer isso no meio da tribo sem ninguém, nem mesmo o Pajé, perceber. – Dizia um dos anciãos.
- Encontramos o Pajé! – Disse um guerreiro que entrou pela porta apressadamente.
Aruana não esperou para ouvir o restante da história, sabia o fim do pobre homem. Ela correu para sua oca e alertando os irmãos, começou a juntar alguns pertences.
- O que é isso, Aruana? O que você está fazendo? – Perguntou Ubiratã.
- Precisamos fugir!
- Por que? Me diga!
- Eu sempre cuidei de vocês e nunca deixei nada de mal acontecer. Confie em mim, por favor! Pegue suas coisas, o mínimo possível. A viagem tem de ser rápida.
Ubiratã concordou, chamou Moacir e repassou a instrução da irmã.
Já havia se passado o tempo que o Cacique determinara e o povo começou a se reunir no centro da aldeia. Essa era a oportunidade que teriam de fugir. Aruana chamou os irmãos e entraram na floresta. O plano era seguir até a tribo de onde sua mãe viera. Era uma viagem longa, um dia e meio se fossem muito rápidos. Mas pelo jeito que corriam, chegariam lá no início da noite. Aruana não queria dormir na floresta. A vida deles dependia disso.
O dia foi passando e o cansaço aumentando. Moacir reclamou de fome. Aruana arrancou um pedaço de bolo de uma trouxa que estava amarrada nas costas e deu aos irmãos. - Comam enquanto andam! Não podemos parar.
Enquanto caminhavam, Aruana viu uma bela pedra amarrada num tronco. Ergueu o braço para pegar o objeto que parecia um colar.
- Não bastou arrumar encrenca com a Matinta. Quer problemas com a Mãe de Ouro também? – Disse Ubiratã.
Aruana desistiu e se sentiu envergonhada.
A tarde chegou e as sombras enchiam a floresta. O trio não chegaria em tempo na tribo de sua mãe. A visão já não era tão boa sem a luz do sol e o ritmo do grupo diminuía ainda mais. Era preciso cautela para seguir, qualquer acidente poderia fazer a perigosa expedição ficar ainda mais caótica.
Ubiratã percebeu uma movimentação. Gesticulou para a irmã, tomando o cuidado para Moacir não perceber. Ele estava assustado demais já. Aruana olhou e viu um vulto em cima de uma árvore. A onça-preta estava de volta! Ela tomou a lâmina na mão e deu outra para Ubiratã. O felino seria mais um problema para enfrentar.
A noite caiu. Apesar da lua cheia, a densa floresta permitia enxergar poucos metros à frente. O grupo reuniu as forças que tinham e, numa última tentativa, apertaram o passo. Os três irmãos fugiam desesperadamente. As pernas cansadas e pesadas, os músculos queimavam como brasas. De repente eles ouviram um assobio entre as árvores. Matinta os encontrara.
Aruana foi em direção a bruxa, que estava numa clareira à frente.
O ser horripilante flutuava a poucos metros do chão. A pele branca que cobria o corpo contrastava com as vestes negras. O cabelo escorria até a cintura. Os olhos negros lacrimejando sangue não deixavam dúvidas, era Matinta!
- Aqui está o que te roubei. – Disse Aruana, com toda a sua coragem, retirando o rolo de fumo da trouxa que carregava nas costas.
- Isso era meu! Esse era meu preço pela maldade. Está escrito! A magia antiga me garante isso! Era meu direito! Você fez malvadeza ainda maior comigo. Você quebrou a magia antiga. Por isso meu preço é maior agora. É preço de sangue! – Disse a horripilante voz da bruxa.
Aruana sentiu um aperto no coração. Estava encarando o seu maior medo. Seus olhos encheram de lágrimas. Uma lembrança veio a sua memória. Ela recordou o dia do acidente que matara seus pais. Eles se banhavam na cachoeira, quando uma tromba d`água desceu e levou os dois. Havia mais alguns índios na ocasião. Os dois foram encontrados com vida, presos em alguns igarapés cerca de três quilômetros da cachoeira. Porém, estavam muito feridos. Os pedaços de tronco e as rochas que a tromba d`água trouxe haviam dilacerado seus corpos. Antes de morrer os pais fizeram Aruana prometer que jamais abandonaria os irmãos. Era sua a responsabilidade de cuidar das crianças, embora ela ainda fosse uma. Foi assim que a curumim passou a educar os irmãos. Ela recusou se mudar para a oca do tio, irmão de seu pai, e, tampouco mudar para a aldeia de sua mãe. Foi na oca de seus pais que ela decidiu ficar, com apenas doze anos, cuidando dos irmãos de cinco e três anos, Ubiratã e Moacir. Desde então, sete anos se passaram. Ela já era uma jovem formosa de dezenove anos. Ubiratã e Moacir estavam com doze e dez anos, respectivamente. Ubiratã possuía a idade que ela tinha, quando perdera os pais, e ela sabia que o peso de cuidar da família cairia nos ombros do pequeno irmão.
Aruana olhou para os dois se despedindo e caminhou até a bruxa que flutuava pelo ar. Em prantos ela, bravamente, se ajoelhou diante de Matinta e disse. – Muita gente já morreu por minha culpa. Pode tomar o meu sangue.
- Não é o seu sangue que eu quero. Você é malvada.
A jovem ergueu os olhos intrigada. Não entendia o que Matinta queria dizer. Ela estava ali, pronta para se sacrificar pelos irmãos e pela aldeia. Ela pagaria o preço de sangue que a bruxa queria.
- Você é malvada, isso não paga o preço da magia antiga. Preciso de sangue inocente.
Aruana estava inerte ao que Matinta falava. O olhar da bruxa fitou os irmãos que estavam alguns metros distantes delas. A jovem então percebeu o que significava o sangue inocente. Ela jamais poderia deixar aquilo acontecer, protegeria os irmãos. Buscou a faca trazida na cintura e pôs-se em pé. Mas foi apenas isso que conseguiu. A bruxa sussurrou um encantamento que paralisou Aruana. Por mais que reunisse todas as forças, as únicas partes do corpo que possuía controle eram os olhos e os lábios.
- Não, por favor. Isso não! – Disse Aruana, chorando copiosamente.
- É direito meu! É o que a magia antiga me garante! – Respondeu a bruxa enquanto flutuava em direção aos pequenos.
A bruxa passou a pronunciar algumas palavras que ninguém entendia enquanto flutuava. O sangue que corria dos olhos, agora corria, também, do canto dos lábios. A medida que se aproximava do pequeno o sangue escorria cada vez mais pela boca da bruxa, como a saliva de um predador ao se aproximar da presa.
A luz prateada da lua cheia iluminava a cena assustadora na clareira. Aruana permanecia imóvel por conta do encantamento da bruxa. Ubiratã, com Moacir nos braços, estava paralisado de terror. A irmã gritava para que fugissem, mas o medo os impedia.
De repente, ouviu-se o barulho das folhas estalando no chão da floresta. Matinta parou suspensa no ar. A maldade e o encantamento que paralisava a todos começou a dissipar. Aruana sentiu que retomava o controle do corpo. Os passos pareciam mais perto. Aruana correu e abraçou seus irmãos. Uma sombra envolveu Matinta, que permanecia flutuando próximo aos curumins. Os passos aceleraram dentro da floresta, o que quer que fosse irromperia na clareira a qualquer momento.
Aruana viu um vulto passando sobre eles. Um grande rugido dissipou por completo o terror que havia no ar. A onça-preta estava entre Matinta e os curumins.
- O que você está fazendo aqui? É direito meu! É o meu preço! – Gritou Matinta do meio das sombras.
A onça-preta parecia mais imponente do que nunca. Seus pelos brilhavam sob a luz prateada do luar. Apesar do ódio nas palavras da bruxa, ela não ousava se aproximar dos irmãos. Aruana não conseguia descrever o que sentia. Apesar do temor que tinha da onça-preta, a presença dela ali lhe trazia segurança.
- Fujam! Vão até a aldeia de sua mãe. – Disse a onça-preta.
Os irmãos ficaram perplexos aos ouvirem o animal. Como poderia uma onça-preta falar? Nunca ouviram uma história sequer sobre isso. Os irmãos se moveram lentamente, fitando os olhos na sombra que flutuava próximo a eles. As palavras da onça-preta traziam uma segurança tremenda, mas ainda assim eles temiam a Matinta. Teriam de passar por ela para seguirem seu caminho.
- Não tenham medo!
O grupo caminhou através da clareira. Desviaram da sombra que flutuava.
- É direito meu! É o que a magia antiga diz! – Gritou a bruxa.
Eles correram amedrontados. A Sombra de Matinta acelerou em direção a eles. O rugido ecoou mais uma vez pela clareira. A onça-preta moveu-se e se colocou novamente entre o grupo e a Matinta. A bruxa não ousava enfrentar o felino.
- A magia antiga será respeitada. – Disse o animal.
– Vão, fujam de uma vez!
- Obrigada. – Agradeceu Aruana.
As sombras ao redor de Matinta agitaram-se, formando um turbilhão. Clarões, como de relâmpagos, saiam do meio das sombras. O grupo seguiu em direção a floresta do outro lado da clareira. Antes de entrarem no meio da mata fechada, Aruana olhou para trás e viu que o turbilhão envolvia a onça-preta. O grupo apertou o passo, não sabiam por quanto tempo a bruxa seria detida. A jornada até a tribo de sua mãe duraria algumas horas ainda.
Os irmãos corriam para salvar suas vidas. O evento que presenciaram era surreal. Enquanto seguiam não deixavam de pensar na onça-preta. Um gemido de dor correu pela floresta. Todos pensaram no animal. As lágrimas não podiam ser contidas. Embora ninguém tivesse coragem de falar uma palavra sequer, sabiam que a onça-preta tinha pagado o preço de sangue cobrado pela bruxa.
As trevas da floresta começaram a ceder. Olharam para cima e perceberam que o dia começava a clarear. Apertaram o ritmo novamente. Aruana esteve poucas vezes na tribo da mãe. Mas o caminho já lhe parecia familiar. Passos foram ouvidos, alguém estava à frente do grupo. Aruana e os irmão estavam exaustos. Não tinham forças para mais nada. O que quer que fosse a frente deles os derrotariam. Os passos pararam, o grupo seguiu e, logo depois de uma curva na trilha, encontraram um grupo de guerreiros. Aruana tentou defender os irmãos, mas suas forças se esgotaram. Ela desmaiou. A última lembrança foi o rosto de um dos homens, que a levantava do chão. Todos foram levados.
Aruana acordou dentro de uma oca. O local era familiar. Correu os olhos examinando o ambiente e procurou pelos irmãos. Eles ainda dormiam numa rede próxima. A jovem levantou, tomou uma cabaça e bebeu de uma água refrescante. Fechou os olhos e suspirou agradecida por ter sobrevivido. Saiu da oca e reconheceu o rosto que fazia guarda do lado de fora. Era o guerreiro que a resgatara no meio da floresta. Olhou para o céu, o dia estava amanhecendo ainda. Perturbou-se. Achou que havia dormido por um longo tempo, mas lembrou que, quando resgatada, o sol ainda não havia surgido no céu, deduziu que dormiu por alguns minutos somente.
Seguiu em frente e viu o Cacique da tribo, seu avô, próximo a um braseiro. Ela o abraçou e chorou aliviada. O velho chefe explicou que ela dormira por quase vinte e quatro horas. Explicou que havia mandado os guerreiros vigiarem a floresta por conta de um aviso do Pajé. Foi assim que eles foram resgatados.
O primeiro raio de sol clareou a copa das árvores. Ouviu-se um grande rugido que ecoou pela mata. Aruana sentiu o coração queimar de alegria.
– Será possível? – Pensou consigo.
O Cacique pareceu ler os pensamentos da neta. Olhando a jovem disse: - A magia antiga pode fazer muitas coisas. O sangue foi pago para a bruxa. Mas ela esqueceu que a magia antiga, que rege a floresta, não permitiria que um inocente pagasse tal preço. Certamente, você ouvirá esse rugido muitas vezes, minha menina! Há muito o que se aprender sobre a magia antiga.
Aruana correu os olhos pela floresta tentando encontrar o animal. Percebeu, então, os irmãos parados na porta da oca. Pelo sorriso em seus rostos eles haviam reconhecido o rugido. Correram até ela e depois abraçaram o avô.
Enquanto conversavam ouviram uma voz saindo da floresta.
- Quem quer? Quem quer?
– Era a bruxa prestes a morrer, tentando passar a maldição a quem quisesse aceitar.
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