O ACIDENTE
Dois casais de amigos se encontram em um restaurante. O jantar já estava marcado há dez dias. Não tinha como não ir. Já não se viam há muito tempo. Apesar do acontecimento de instantes atrás que deixou um dos casais atônitos.
- Tudo bem? – perguntou Paulo, que já aguardava na mesa com sua mulher, Regina, quando Pedro e Cristina chegaram ao lugar marcado.
- Sim, tudo bem. Desculpem o atraso. Tivemos um pequeno contratempo no meio do caminho. – respondeu Pedro, enquanto afastava a cadeira para que sua esposa se sentasse.
Após alguns minutos de conversa, Cristina e Regina pediram licença e se retiraram para retocar a maquiagem no banheiro. Assim que elas se foram, Pedro iniciou um relato.
- Cara, eu vi uma cena inacreditável enquanto estávamos vindo para cá. – começou Pedro.
– É por isso que se atrasaram? – perguntou Paulo.
- Sim. Eu estava na Avenida Brasil quando vi um Shelby GT500! Era a Eleanor, você lembra? Igualzinho aquele do filme “60 segundos”! Nunca tinha visto esse carro aqui no Brasil. E o ronco do motor? Música para os meus ouvidos. Aquelas duas faixas pretas eram tão sexy quanto o biquíni da Cristina! Eu diminuí a velocidade só para poder ver melhor o carro. Por conta disso, acabei ficando num farol vermelho, na esquina com a 9 de julho, depois que a Eleanor avançou. Foi aí que começou a aventura.
- Certo. Continue!
- Eu percebi que o carro parou na esquina, assim que cruzou a avenida. Tinha uma loira muito gata esperando o carro. O farol abriu, eu fiquei de olho na loira, ela entrou no carro e eu fui seguindo a Eleanor. O cara estava desfilando, andando bem devagar, sem preocupação nenhuma. Eles estavam fazendo o mesmo caminho que eu teria de fazer para chegar aqui. Quando estávamos prestes a cruzar a Brigadeiro, eu peguei a faixa da direita, pois entraria na República do Líbano logo depois. Quando o farol abriu, no momento em que estávamos cruzando a avenida, um carro vinha descendo a “Brigadeiro” como um louco, na contra mão, e por pouco não pega em cheio a Eleanor!
- Caramba! Mas o que aconteceu? – disse Paulo, curioso com a história.
- O motorista do GT deve ter se assustado e jogou o carro para a direita. E quem é que estava na faixa da direita? Eu, com o meu milzinho! Subi na calçada, entortei uma roda do carro e ainda ralei a lateral inteira numa árvore. Teria o maior prejuízo. – disse Pedro.
- Teria? Com o assim, teria? – perguntou Paulo.
- O Shelby parou. A loira desceu! Que mulher maravilhosa, acho que já a vi em algum lugar. Mal desceu do carro, já começou a se desculpar, dizendo que eles arcariam com todos os custos do reparo do carro, que não haveria problema nenhum, não seria necessário chamar a polícia, nem fazer o boletim de ocorrência. Em princípio, achei bem estranho. Tinha alguma coisa errada. Uma loira daquela, num carro daqueles, desceria toda preocupada com a gente? Mas foi logo depois que o motorista desceu que eu entendi do que se tratava. O negrão chamava a atenção, e assim que ele se aproximou eu percebi quem era, um jogador de futebol muito famoso! E, além disso, eu quase desmaiei no momento em que ele me cumprimentou, me embriaguei somente com o hálito do cara! – disse Pedro, caindo na gargalhada.
- Imagina esta cena meu amigo! Eu com o meu milzinho, parado na calçada, perto do monumento aos Bandeirantes, todo cheio de raiva e daí encontro meu ídolo. Foram dois momentos distintos. O primeiro foi assim que reconheci o cara. Naquela hora eu nem me lembrei do carro. Tinha até pensado em desculpar o motorista. Mas quando ele chegou perto de mim, foi o segundo momento, senti que ele tinha bebido mais álcool que o carro do meu pai, fiquei com uma raiva ainda maior. Como é que ele pode fazer uma coisa daquelas? Um jogo importantíssimo amanhã e esse cara desse jeito hoje? Inadmissível. – disse Pedro, indignado!
- O jogador logo viu que eu o reconheci. Enquanto a loira conversava com a Cristina, ele sacou o talão de cheques e me perguntou o quanto valia o meu carro. Respondi que valia uns vinte mil. Na mesma hora, ele preencheu um cheque e me passou. Disse que não queria problema nenhum e que não seria necessário chamar a polícia para resolvermos a situação. – concluiu Pedro.
- E depois? Diga logo! – perguntava Paulo.
- O jogador além do cheque me deu quinhentos paus para eu pagar guincho e o taxi para ir embora e o entrou no carro. A loira, logo em seguida o acompanhou e, se foram. Eu ainda estava meio chocado com a situação quando a Cristina me perguntou se estava tudo certo. Mostrei o cheque e ela comentou – Precisamos de mais acidentes como esse! – O valor do cheque daria para eu comprar um modelo zero do meu milzinho. – concluiu Pedro.
- Será que terá fundo? – disse Paulo, preocupado se o jogador realmente pagaria o conserto do carro.
- Tomara, mas se ele não jogar bem amanhã, aí sim ele terá um grande problema! – respondeu Pedro.
Os dois continuaram a conversa, enquanto esperavam suas esposas retornarem para, então, fazerem o pedido ao garçom.
Assim que entraram no banheiro, Cristina disse: - Menina! Deixa eu te contar o babado! E que babado!
- Como assim? Que babado é esse? – perguntou Regina.
- A gente já estava atrasado para vir para o nosso encontro. O Pedro demorou uma eternidade para se trocar, estava assistindo um maldito jogo na televisão, e o pior de tudo era um jogo do ano passado, ele dizia que era importante porque amanhã haverá um jogo contra a mesma equipe. Quando a gente estava no meio do caminho, o Pedro viu um carro horrível e diminuiu a velocidade. Um carro todo estranho, velho e fazia um barulho insuportável. Além disso, tinha duas faixas pintadas bem no meio do carro. Por que fazer aquilo? Como é que alguém pode gostar de um carro daqueles? Enfim, eu briguei com ele para ir mais rápido, mas ele disse que era o limite de velocidade daquela rua que a gente estava. Não tinha nada que ele poderia fazer.
- Nós paramos num semáforo. Você não imagina quem eu vi do outro lado da rua! Sabe aquela modelo que faz o comercial do creme hidratante para o pescoço? – disse Cristina.
- Sei sim! Aquela magérrima! Linda! Sem celulite nenhuma! Que cabelo é aquele? Mas também, como todo aquele dinheiro, até eu seria linda daquele jeito! – disse Regina.
- Não é minha filha! Aquele creme custa uma fortuna. Eu fui comprar e fiquei assustada. Mas comprei mesmo assim. Dá uma olhadinha no meu pescoço como está magnífico! – disse Cristina enquanto levantava a cabeça, deixando o pescoço à mostra para a amiga verificar o resultado do creme.
- Lindo mesmo! Que pele maravilhosa! – comentou Regina.
- Pois é, mas acho que não vou conseguir usar este creme. É muito caro! Mas já descobri outro, nacional, que tem o mesmo princípio ativo. – comentou Cristina.
- Ótimo, me passa o nome depois. – disse Regina.
- Voltando. A loira estava chiquérrima. De longe, consegui ver que usava um vestidinho azul floral lindo, muito romântico, com certeza era um Louis Vuitton. O vestido era de alcinha, acinturado com um laço de cetim, e a saia plissada em “A”. Ma-ra-vi-lho-so! – comentou Cristina.
- Deve ser Louis Vuitton mesmo, até sei de qual vestido você está falando. Lindo! Coleção verão de 2011. O laço na cintura e as alcinhas são pretos, com decote em coração. Não é esse? – disse Regina.
- Esse mesmo! Lindíssimo! Imagina eu usando um vestido daquele! – disse Cristina, sorridente, enquanto se visualizada no espelho que havia no banheiro.
- A modelo entrou no carro barulhento. Logo depois, o semáforo abriu e nós seguimos para cá. Por coincidência, eles estavam fazendo o mesmo caminho que a gente. Eu não aguentava mais ouvir o Pedro falando tanto daquele carro feio. O carro era isso, o carro era aquilo e falou que o carro tinha o nome de alguém, e tinha, também, apelido, era o nome de uma mulher. Elenir, Eliana, Eliete, alguma coisa assim. – dizia Cristina quando foi interrompida pela amiga.
- Mas o que aconteceu para que vocês se atrasassem? - perguntou Regina.
- Essa foi a melhor parte. A gente continuou na mesma rua em que estávamos. Quando chegamos perto da estátua do empurra-empurra, sabe aquela que fica perto do parque Ibirapuera? – perguntou Cristina, enquanto a amiga acenava com a cabeça a resposta positiva. – Então, paramos naquele farol e quando a luz verde acendeu e partimos, surgiu um carro do nada, na contramão e avançou o farol vermelho. O carro em que a modelo estava se jogou para cima do nosso e o Pedro acabou subindo na calçada e batendo o carro numa árvore. E o pior de tudo, foi bem do meu lado que o carro bateu. – completou Cristina.
- Que susto, amiga! Deve ter sido aterrorizante! Vocês sofreram um acidente! – exclamou Regina.
- Calma! Ainda não chegou a melhor parte. Eu ainda estava me recuperando do acidente quando percebi que a modelo descia do carro. Que bandida! Ela não tinha nenhuma celulite! Eu nem queria descer do carro, mas assim que ela foi se aproximando, vi o sapato que estava usando. Um “Manolo Blahnik” azul! Um scarpin magnífico! Eu tinha que ver aquilo de perto! – disse Cristina.
- Igual ao que a Sarah Jessica Parker usou no filme Sex and the City? – questionou Regina, enquanto agitava as mãos rapidamente, aguardando a resposta.
- O próprio! Eu não me contive e desci do carro. A modelo se desculpou, e eu logo perdoei, queria saber mais sobre aquele sapato! E ela foi um amor. Conversou comigo como se fôssemos amigas de infância. Olha só! Agora eu nem posso ficar com raiva dela. Ela é bonita, se veste muitíssimo bem e ainda é simpática. Se ela fosse mal educada eu poderia ter algum motivo para falar mal, mas e agora?
- Por fim, ela disse que teria um desfile e que me convidaria. Me deu um cartão do escritório dela e pediu para eu ligar para a Verinha, a secretária, e passar o meu endereço que ela mandaria entregar os convites! – disse Cristina, com um sorriso no rosto que ia de orelha a orelha.
- Será que ela vai mandar entregar os convites mesmo? – perguntou Regina.
- Não sei, mas acredito que sim. Ela foi muito simpática. Mas tomara que não. Ficar perto de uma mulher assim é um porre. Linda, rica, sem nenhuma celulite e ainda por cima simpática, ninguém merece. – disse Cristina quando foi interrompida pelo barulho da descarga que saia de uma das cabines do banheiro.
As duas amigas se olharam e sorriram. Não haviam percebido que tinha mais alguém no banheiro. Uma senhora de idade saiu, muito elegante, com um vestido preto muito sóbrio, um colar de pérolas. Embora não aparentasse uma cara de muitos amigos, cumprimentou as duas, lavou as mãos e deixou o banheiro.
As amigas terminaram de se arrumar e saíram logo após a senhora deixar o banheiro, pois o cheiro que tomou o lugar as impediu de continuar.
Enquanto retornavam à mesa, Cristina disse: - Não se preocupe amiga, se ela mandar os convites, você é quem vai comigo! Agora sou amiga de gente famosa! – As duas sorriam e caminhavam.
Cristina e Regina se sentaram.
- Podemos pedir? – perguntou Pedro às amigas.
- Sim. – responderam ambas.
Paulo levantou o braço, chamando o garçom. Os amigos continuaram o encontro.
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