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DEPOIS DA LUA

Conto: Depois da Lua
Autor: Soaréstes Santos

Márcio acordou assustado. Olhou em volta e não reconheceu o lugar onde estava. O fato é que ele não lembrava o próprio nome. Havia uma mata densa ao seu redor, árvores tão altas que não se enxergava o fim. Ele não lembrava de ter visto árvores tão grandes, tinha a impressão de que diminuíra, tamanha a falta de proporção do seu corpo com tudo o que via. Plantas com folhas tão grandes que eram capazes de o cobrir como um cobertor. As flores com cores alegres e vivas, algumas delas poderiam servir de abrigo contra o clima.

Ele se levantou e analisou o corpo, primeiro, palpando e procurando por ferimentos, depois, tentando identificar em sua vestimenta algo que o ajudasse a se lembrar de quem era e como fora parar ali. Ele trajava duas espécies de roupas. A primeira era de peças leves que envolviam sua pele, a segunda camada se sobrepunha à primeira e era pesada, preta, com um tecido aparentemente impermeável e seus pés calçavam botas rústicas. Não identificou nenhum sinal que o fizesse rememorar qualquer coisa.

A floresta apesar de ser vibrante, cheia de cores e aromas, aparentava uma certa hostilidade velada nos cantos dos animais. Embora barulhenta, ele não percebeu nenhuma movimentação. Quaisquer criaturas eram muito bem camufladas e se misturavam a paisagem. A luz que atravessava a copa das árvores se movimentou e fez dançarem os raios luminosos entre folha, flores, troncos e galhos. O movimento da luz fazia parecer um caleidoscópio gigante. Não demorou até a tarde cair e a escuridão dominar a floresta. Márcio sabia que não era seguro caminhar a noite em uma mata desconhecida, afinal, muitos predadores têm hábitos de caça noturnos. Construir um abrigo era inviável, mas ele encontrou uma boa solução. Uma das flores gigantes que habitavam a floresta possuía pétalas tão grossas que sustentavam o peso de seu corpo e o manteria acima do solo. A flor tinha coloração esverdeada na farte de fora das pétalas e um rosa sutil na parte de dentro. Tinha a forma de casulo, com uma entrada apenas e uma das pétalas sobressalente que seria improvisada como porta. O abrigo era quase perfeito, o protegeria do clima, das feras e com uma entrada controlada.

A noite caiu e a temperatura despencou. Márcio entrou na flor e baixando a pétala da entrada, se isolou do mundo. Do lado de dentro, a temperatura era agradável o que ajudou o seu corpo cansado a dormir. A madrugada veio e ele acordou se sentido sufocado. O casulo o pressionava por todos os lados. O local que antes era espaçoso e o permitia ficar sentado ficou tão apertado como um saco de dormir. O homem conseguiu se mexer com dificuldade, mas foi facilitado por uma secreção pegajosa que havia dentro da flor. Quando o líquido viscoso tocou a sua pele, ele sentiu uma leve queimação. À medida que se movimentava, a quantidade de líquido aumentava. Ele conseguiu se arrastar até a entrada do casulo, porém, a pétala que utilizou para cerrar a entrada estava grudada, o líquido agiu como uma cola e selou a passagem. Sua sorte é que apesar das folhas serem espessas, eram frágeis. Seus dedos rasgara o tecido e uma passagem se abriu. Um novo dia anunciava a vida e as trevas se dissipavam. Márcio despencou de uma altura de quase três metros e bateu no solo coberto de folhas. O abrigo era uma planta carnívora! Não fosse sua roupa emborrachada, teria o corpo todo ferido pelo líquido gástrico da flor assassina. Ele se deu conta que o ambiente era mais perigoso do que imaginou.

O homem caminhou cerca de duas horas até ouvir o som de águas correntes. Chegar a margem do rio seria uma grande conquista. Além da água que precisava, era mais provável encontrar companhia, alguém que o ajudasse a ele se localizar e como sair daquela floresta. Enquanto caminhava, Márcio notou que não reconhecia nenhuma espécie de árvore, planta ou flor. O tempo correu mais rápido do que ele imaginava e o fluxo das águas eram bem mais distantes. Tentar descansar dentro de outro casulo estava fora dos planos, mas a queda de temperatura seria tão fatal quanto ser devorado. Ao encontrar o rio que corria em alta velocidade e se precipitava numa queda d`água que não se enxergava o final, ele foi surpreendido por duas situações. A primeira foi ver o céu aberto, sem a copa das árvores para atrapalhar. A abóbada celeste era ornada com estrelas nunca vista e o mais importante era um cinturão que orbitava em volta da Terra. Era como contemplar os anéis de Saturno numa versão mais acanhada. Márcio procurou pela lua na esperança de ter algum conforto, mas sem sucesso. Sua segunda surpresa foi relembrar de alguns fatos de sua vida e um conhecimento que não sabia que tinha o fez deduzir que o anel de asteroides que orbitavam a Terra era a lua que explodiu.

A noite caiu rápido, assim como a temperatura. O fracasso em encontrar abrigo quase custou a sua vida. Porém, ele foi resgatado por pessoas que passavam por uma trilha próxima ao lugar onde ele desmaiou. Márcio acordou outra vez em um lugar desconhecido, mas agora repousava em uma cama rústica num cômodo escuro, iluminado por uma chama que ardia num tipo de lareira e aquecia o ambiente. Ele se levantou e investigou o local. A ausência de janelas o fez pensar que tivesse sido capturado e preso. Depois, descobriu que estava em uma rede de cavernas que abrigavam uma população muito grande. Ele caminhou até a porta e verificou que estava destrancada. Ele atravessou a passagem e se deparou com dois homens, um negro e outro branco, vestidos com peles de algum animal. O local não tinha muitas mobílias e as que existiam eram igualmente rústicas.

- Obrigado por me salvarem. – disse Márcio.

Não houve resposta.

- Vocês sabem me dizer onde estou?

Os dois homens continuaram mudos. Não demorou até que outras pessoas se juntassem a eles. Márcio desejou que estivesse num pesadelo, mas a realidade se mostrou terrível. Ninguém falava a sua língua e pareciam ter poucos conhecimentos de qualquer tipo de ciência. Enquanto tentava se comunicar, partes de sua memória voltavam e, aos poucos, ele foi lembrando do que acontecera. Ele era um cientista no Laboratório Nacional de Síncrotron, em Campinas, no interior de São Paulo e trabalhava no projeto Sirius, um tipo de acelerador de partículas. A roupa que usava e o salvou de ser digerido pelos ácidos da planta carnívora o protegia da radiação durante a pesquisa. Embora não recordasse como foi parar ali, ele lembrava de seu nome e sua profissão.

- Márcio. Eu me chamo Márcio. – disse batendo no peito.

As pessoas estavam curiosas, mas demonstravam bastante medo dele. Algumas horas se passaram até que um dos homens tentou se comunicar com ele. Márcio gesticulava, falava pausadamente e tentava outros idiomas que conhecia. A primeira interação ocorreu quando ele se aproximou do fogo.

- Quente. – disse enquanto se aquecia nas chamas que iluminavam o local.

- Quente. – respondeu um dos homens.

- Isso, quente.

A comunicação animou os dois lados. Ele se afastou das chamas e esfregou o corpo com as mãos.

- Frio. – disse agitando as mãos.

- Frio. – repetiu o homem.

Prontamente uma pessoa do grupo lançou uma capa de pele para ele. Ele retirou a roupa de borracha e se cobriu com o presente.

- Fome. – arriscou, apontando para a boca e para a barriga.

O homem que se comunicava com ele abriu espaço entre a multidão que se aglomerava no cômodo. Antes de cruzar a porta, ele olhou para o Márcio que entendeu que deveria segui-lo. Caminharam por um corredor estreito até entrarem num salão amplo. O ambiente era um tipo de local de confraternização e, aparentemente, o refeitório daquele grupo. No centro, um animal queimava e perfumava o ambiente com o cheiro de comida. Ele tentou reconhecer a refeição, mas não foi capaz de distinguir. Era um animal grande, maior que um boi ou um búfalo, dois grandes chifres coroavam o crânio do bicho, o maxilar e a mandíbula eram curtos e robustos, grandes órbitas abrigavam olhos amarelos que ele não soube se era efeito do calor das chamas ou se eram a cor natural. O restante do corpo deveria acompanhar a proporção do crânio, sustentando toda aquela carne. O animal se sustentava em três pares de membros. Um par anterior e dois pares posteriores demonstravam o poder de tração do animal. A presa deveria pesar, no mínimo, uma tonelada. Neste momento Márcio voltou a desejar que estivesse em um pesadelo. Ele se perguntava se sua dedução de que o anel que orbitava o planeta fora o satélite natural era adequada. Não sabia o que era pior, estar em outro planeta ou estar na Terra. Qualquer das hipóteses fosse verdadeira, era um mundo que ele desconhecia.

O homem esticou um espeto, retirou um pedaço de carne e o entregou para Márcio. A fome certamente ajudou na decisão de comer. Em outra situação ele rejeitaria comer o animal desconhecido. A carne era saborosa e tenra, temperada com ervas e hidratada com um tipo de molho que era regado sobre a carne de tempos em tempos. Durante a refeição ele percebeu o silêncio no qual a tribo convivia. Era possível escutar o estalar da madeira ardendo no fogo. A roupa de pele que ganhara o fez se misturar ao grupo e não chamar tanto a atenção. Quando se deu conta da tranquilidade do local, decidiu continuar em silêncio até que estivesse em outra sala mais reservada com seu novo amigo. Assim que aplacou a fome, Márcio retomou a comunicação. O homem se levantou e novamente fez sinal para ser seguido. Os dois caminharam um bom tempo no labirinto de túneis até chegarem próximo a superfície.

- Frio. – disse o homem, apontando em direção ao que parecia ser a saída.

Márcio olhou para a saída e o vento gelado que soprou confirmou o que fora dito. O homem voltou para os túneis e, entrando numa sala, se aqueceu junto a um fogareiro. O cientista tentou prosseguir com a comunicação, mas foi frustrado quando o homem cerrou os olhos e passou a roncar. Com o corpo e a mente cansados, ele se aninhou embaixo da grossa pele e adormeceu.

A manhã trouxe consigo uma nova esperança. Assim que os primeiros raios do sol iluminaram o céu, o fluxo de pessoas para fora da caverna aumentou. Márcio acordou com o barulho, seu amigo já estava em pé o aguardando. Ele se levantou e os dois seguiram para fora da caverna. A caminhada foi até uma fonte de águas cristalinas que descia de uma fenda numa grande rocha.

- O que aconteceu com a lua? – perguntou, quebrando o silêncio.

O homem olhou para o alto e contemplou o anel de rochas que orbitavam a Terra, mas não disse uma só palavra. Ele retirou uma fruta debaixo de sua capa de pele e arremessou para o cientista.

- Fome.

Márcio descascou a fruta. Pequenos gomos aguardavam a polpa e as sementes, parecido com uma mexerica. Porém, a textura lembrava a da manga, com o dulçor e acidez de um abacaxi. Ele se surpreendeu com a delícia de café da manhã que tivera. Seu companheiro fez sinal e ele o seguiu novamente.

- Ei, qual é o seu nome? – perguntou para o homem.

Não houve resposta.

- Márcio. – disse ele batendo no peito.

O homem não demonstrou nenhuma reação, tão pouco interesse no diálogo com o cientista.

- João. Vou te chamar de João.

O ritmo da caminhada era intenso, eles seguiram a margem do rio onde Márcio fora encontrado. Algumas horas depois, entraram na mata fechada. João caminhava rápido e demonstrava habilidade com o ambiente. Por um instante, Márcio o perdeu de vista e tentou encontrar o rastro do companheiro, mas em vão. Nenhuma pegada, nenhum galho ou flor quebrada ou amassada. O cientista tinha os olhos treinados, era filho de um mateiro, um descendente de índios do Mato Grosso, que virou guia turístico no Pantanal.

- João! – ele arriscou um grito e aguardou.

Poucos segundos depois, João surgiu em sua frente. Ele se assustou com a aparição repentina. Da mesma forma com que o perdera de vista, o encontrara, sem perceber qualquer sinal de aproximação. O homem levou as mãos à boca e fez um sinal de silêncio. Apontou para as orelhas e apontou para a mata. Márcio entendeu que o ruído poderia trazer perigo para os dois. Ele se concentrou ao máximo para evitar o barulho e não se perder novamente.

A luz debaixo das copas de árvores começou a rarear e a temperatura despencava. João fez um sinal e Márcio percebeu a abertura no chão à frente. Uma garganta se abria e dividia a floresta em duas partes e aumentava cada vez mais até que um grande vale podia ser visto longe no horizonte. Eles desceram a encosta acidentada da escarpa até encontrarem uma passagem. O túnel descia ao coração da montanha. Quando já estavam protegidos do clima frio que a noite trazia, João procurou por algo nas paredes. Ele tateou no escuro até sua mão sentir a fria placa de metal que cobria um interruptor. Ele apertou o botão e duas linhas se acenderam, uma em cada canto inferior do corredor. As luzes tinham uma cor esverdeada de fraca intensidade, elas apenas demarcavam os limites do corredor e pouco contribuíam para iluminar o local.

- Você conhece este local? – perguntou Márcio.

Como sempre, não houve resposta. Ele gesticulou apontando para o fim do corredor e João demonstrava medo. Tudo indicava que ele nunca descera até o fim para descobrir onde as luzes terminavam. O cientista se alegrou, afinal, era um sinal de uma civilização com tecnologia mais avançada do que o grupo que o havia encontrado. Ele seguiu as luzes, mas João o acompanhava de muito longe, quase não era possível enxergá-lo. Degraus feitos de metal facilitaram o percurso. Algumas plataformas se projetavam sobre abismos tão escuros que pareciam infinitos.

Márcio avistou uma grande porta de metal que trancava a passagem. Ele procurou por algum dispositivo que acionasse liberasse a entrada. Ele encontrou uma pequena abertura na parede da direita que parecia um scanner. Receoso, ele meteu a mão no buraco, mas nada aconteceu. Ele tentou enxergar por dentro da fresta, mas não conseguiu. Ao tentar outra vez, enfiou a mão o mais profundo que pode. Quando seus dedos tocaram a extremidade do dispositivo, a passagem se fechou e prendeu a sua mão. Pequenas agulhas perfuraram os seus dedos diversas vezes. O medo de ter o membro decepado foi muito maior do que a dor. Foram segundos de puro terror. Assim que a passagem aliviou a pressão, ele retirou a mão e a examinou. Ele percebeu que fora picado quando gotículas de sangue se formaram nas pontas dos dedos. Enquanto ainda se recuperava do susto, viu João se aproximar. De repente, uma porta desceu do teto do túnel, pouco mais de três metros atrás e o isolou. O amigo que vinha em seu resgate perdeu a coragem e retornou. Márcio ficou preso entre as duas portas.

Não demorou até a nova surpresa. Enquanto ele examinava a porta que fechou seu caminho de volta, uma luz se acendeu dentro da fresta onde prendera a mão. As engrenagens se movimentaram e a porta cedeu. Não havia alternativa, tinha de seguir. Lâmpadas fortes iluminaram o longo corredor. O cenário lembrava um hospital, paredes brancas e um piso esverdeado, impecavelmente limpos. Ele aguardou um tempo, imaginando que seria recebido por alguém. A curiosidade aguçou sua mente e o impeliu a investigar o local. Após andar uns dez passos no corredor, um sensor acionou a lateral da parede esquerda e revelou um traje. Um forte jato de água caiu do teto e quase o derrubou. Ele entendeu que deveria se limpar antes de vestir as novas roupas. Ele abandonou a capa de pele, a camiseta, a calça jeans e as botas, colocou o traje e seguiu.

- Bem-vindo humano. – disse uma voz.

O cientista olhou e percebeu um holograma que se projetava ao seu lado.

- Meu nome é Iris. Eu sou o responsável pela manutenção deste abrigo.

- Muito prazer, Iris. Meu nome é Márcio. O que pode me dizer sobre este local?

- Este é abrigo BRSP-01. Um local para prover segurança e mantimento para sobrevivência de qualquer ser humano. Nossa estrutura é capaz de atender até dez humanos adultos durante doze meses.

- Iris, sabe me dizer em qual local estamos?

- O abrigo está localizado na região desértica no quadrante Oeste-Sul do planeta.

- Desértica? Eu caminhei por uma densa floresta até chegar aqui. Há um vale fértil descendo toda esta encosta.

- Desculpe, meus registros provavelmente estão desatualizados. Você é o primeiro humano que aparece em dez mil anos.

- Dez mil anos?

- Exato.

- Que dia é hoje? Em que ano estamos?

- Estamos no ano quarenta mil desde o sétimo impacto.

- Quarenta mil? Sétimo impacto? Não acredito que se passou tanto tempo. Como eu vim parar aqui?

- Desculpe, não entendi a sua pergunta.

- Eu não sou deste tempo. Não sei como vim parar aqui. Eu estava no ano de 2021.

- 2021? De qual era?

- Como assim? 2021 depois de Cristo.

- Entendo. Acredito que você deu um salto de duzentos e cinquenta mil anos. Não tenho registros de que os humanos tenham dominado a viagem no tempo desde esta era antiga.

- Meu Deus! O que aconteceu?

- A contagem do tempo a partir do nascimento do cristianismo cessou no ano sete mil da sua era.

- O que mudou?

- No ano sete mil da sua era, aproximadamente, houve um grande cataclisma no planeta. Não se sabe ao certo o que ocorreu. Mas os registros da época informam várias explosões de grande porte por todo o planeta.

- Tivemos uma guerra nuclear?

- Não. Ao que tudo indica houve choques de antimatéria. É provável que a origem foi uma falha sistêmica na tecnologia arcaica da época.

- E depois?

- A humanidade quase foi extinta neste episódio. Porém, os homens refloresceram e voltou muito mais poderosa. Muitos consideram este período como a era de ouro dos homens. Durante milhares de anos vocês evoluíram e passaram a modificar os planetas vizinhos. Pequenas alterações no clima eram realizadas na esperança de criar uma atmosfera habitável. Foram cento e cinquenta mil anos até que isso se tornou possível.

- Colonizamos outros planetas?

- Sim. A humanidade está espalhada por todo o sistema solar.

- O que aconteceu com a Terra? Por que está desolada? Quem eram aquelas pessoas que eu encontrei?

- Tudo ia bem até que os homens tentaram uma ignição em Jupiter.

- Ignição?

- Correto. Foi nesta época que vocês dominaram a viagem no tempo.

- O que foi a ignição?

- Jupiter sofreu diversos impactos ao longo do tempo e foi adquirindo massa. Os homens acreditaram que o planeta estava no limite para passar a fundir o hidrogênio em hélio. A ignição foi a tentativa de fazer isso de maneira controlada e criar a sua própria estrela. O que parecia ser a maior conquista da humanidade foi o maior desastre. A anã branca que Jupiter se transformou reorganizou toda a órbita solar.

- Uau! Isso nunca passou pela minha mente. O que aconteceu depois?

- Ao longo de cem mil anos, o sistema solar sofreu sete grandes impactos. A gravidade da pequena estrela atraiu muitos cometas e meteoros e transformou o pequeno sistema solar em um campo minado. A verdade é que não foram sete impactos literalmente falando. Foram sete grandes ondas que afetaram todos os planetas. Já se passaram quarenta mil anos desde a última grande onda de choques. Desde então, os homens jamais conseguiram se reerguer. Abrigos como este foram construídos no intuito de salvar a raça humana da extinção. Há muitos destes espalhados por todos os planetas habitáveis do sistema solar.

- Quem são as pessoas que eu encontrei?

- Eles não são seres humanos.

- O que são eles?

- Não sei. Eu apenas permito que indivíduos com DNA humano entrem no abrigo.

- Por isso furou os meus dedos?

- Sim. Precisava coletar seu sangue para saber se era humano.

- Você disse que faz dez mil anos que não aparecia ninguém aqui.

- Correto. Desde que você chegou, meus sistemas tentam conexão com os outros abrigos e os outros planetas. Porém, não localizei nenhum sinal.

- Será que fomos extintos?

- Não sei a resposta para esta pergunta. Porém, como procedimento padrão eu enviei sinais para todo o sistema solar que há um humano vivo neste abrigo.

- Vamos esperar por respostas.

- Um outro protocolo de segurança me obriga a te preservar em uma câmera de hibernação criogênica.

- Há mais humanos aqui?

- Não estou autorizado a te responder.

- Você congelou outros humanos?

- É o protocolo de segurança determinado. Hibernar todo indivíduo até que consigamos conexão com outras bases ou até que haja indivíduos suficientes para reiniciar uma sociedade.

Márcio tentou fugir em vão. Iris já havia liberado um poderoso anestésico no sistema de refrigeração do abrigo. Seus olhos ficaram cansados, o ar parecia pesado e difícil de respirar, tudo começou a girar. Antes de desmaiar, sentiu que era carregado nos braços de alguém. Ele reconheceu o rosto da mulher que o levava. A inteligência artificial controlava um androide com a mesma aparência do holograma.

O cientista não encontrava forças para reagir. A sensação de desmaio se transformou em um sono doce e quente. Seu cérebro estava extasiado e seu corpo cheio de vida. A hibernação estava em seu primeiro estágio. Iris o embalsamaria e depois o depositaria na câmara criogênica. A mente de Márcio teve um último momento de lucidez antes do sono e recordou de como havia chegado ali. Durante uma experiência no acelerador de partículas onde trabalhava houve um terremoto no momento de máxima aceleração. A estrutura do aparelho cedeu e a radiação começou a escapar. Mais um abalo e um buraco negro que deveria desaparecer instantaneamente atravessou o acelerador e atingiu Márcio. Por alguma razão desconhecida, um buraco de minhoca ligava aquele buraco negro com um espaço-tempo trezentos mil anos à frente de Márcio. A passagem estabilizou até que o corpo do cientista fosse sugado e, depois, desapareceu.

O homem dormiu.

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